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Sexta-feira, 26 de Setembro de 2025

::Meio Ambiente

Crise ecológica no Pantanal aumenta tensão entre onças e humanos

Afinal, a terra é de quem?

Sérgio Mendes
Por Sérgio Mendes
Crise ecológica no Pantanal aumenta tensão entre onças e humanos
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  • A morte recente de um homem por ataque de onça no Pantanal chamou a atenção para os desafios da convivência entre humanos e o maior felino das Américas na região.

  • Pessoas não são consideradas presas pelas onças, mas o aumento de incêndios e a escassez de caça têm forçado o felino a se aproximar de sítios e fazendas, onde é comum que capture animais domésticos; confrontos com humanos, porém, podem acontecer caso se sintam ameaçadas.

Por volta das 8 horas da manhã, nos arredores da remota Serra do Amolar, no Mato Grosso do Sul, uma rotina que parecia corriqueira para o homem pantaneiro tomou um rumo inesperado. Era o ano de 2002, e Roberto Carlos Conceição Arruda, o Beto, então com 29 anos, saiu sozinho de casa para buscar água na nascente. Ao voltar, se deparou com uma onça-pintada pronta para atacar. Desesperado, correu em busca de abrigo, encontrando refúgio atrás de um tronco. A onça, no entanto, não o deixou em paz e, embora a madeira servisse como proteção parcial, Beto sofreu vários arranhões. A situação só teve outro desfecho graças à coragem de seu cachorro vira-lata, Elói, que avançou contra o animal. Ela capturou o cão e o levou para a margem do rio, deixando Beto para trás.

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A coexistência entre humanos e onças no Pantanal remonta a pelo menos 3 mil anos, quando populações indígenas passaram a ocupar o território. A região onde Beto vive e trabalha como piloteiro e guia turístico abriga uma imponente formação rochosa na fronteira do Brasil com a Bolívia, situada entre as cidades de Corumbá (MS) e Cáceres (MT), área que integra a Rede de Proteção e Conservação da Serra do Amolar. O local tem relevância ecológica: é um santuário para grandes vertebrados, como a onça-pintada (Panthera onca), cuja presença é continuamente registrada, e um refúgio estratégico para a sobrevivência da espécie e a preservação do bioma.

“Não sinto mágoa do animal em relação ao acidente. Trabalho com turismo de base comunitária e fazemos avistamento das onças; defendo a sua preservação”, afirma Beto, pontuando que, desde 2022, o felino — que atinge os maiores tamanhos da espécie no Pantanal — tem sido visto com maior frequência pelos ribeirinhos, não apenas na natureza, mas também, em algumas ocasiões, em frente às suas moradias. “Não está dando mais para ter galinha, cachorro e outros animais domésticos, pois ela os come, já que não tem o que caçar. Jacaré e capivara estão escassos nesse pedaço, direto vemos as pegadas das onças perto das casas; tem muitas habitando ao redor da Serra do Amolar, precisamos manter distância delas.”

Serra do Amolar, Pantanal sul-matogrossense. Foto: Beto Arruda

Longe dali, na região do Touro Morto, em Aquidauana (MS), um novo caso trágico se deu em abril de 2025, com a morte do caseiro Jorge Ávila, atacado por uma onça às margens do Rio Miranda. Diante da comoção provocada por esses eventos, pesquisadores alertam que ataques de onças a seres humanos são raros, uma vez que elas não consideram os bípedes como presas; contudo, isso não impede que tais episódios aconteçam se elas se sentirem ameaçadas, se estiverem em locais com alimentos deixados na natureza (propositalmente ou não) ou carcaças de animais ou se quando há fêmeas com filhotes na proximidade de pessoas.

Com a morte de Jorge ainda sendo comentada pelos pantaneiros, a recente aparição de onças na comunidade Barra do São Lourenço — vizinha de Beto — levou a artesã e coordenadora da Rede Pantaneira Leonida Aires (conhecida por todos como dona Eliane) a compartilhar nas redes sociais vídeos dos momentos de tensão vividos por parte das 21 famílias do local. “Acredito que seja mais de uma onça, com filhotes. Elas ficaram rondando tudo aqui de madrugada atrás de comida. Consegui expulsar uma na força do grito, de dentro de casa, para que não invadisse meu galinheiro durante a tarde”, relata dona Eliane. Nas imagens, os rastros dos felinos aparecem em diferentes pontos da comunidade, inclusive no alto da escada que leva à porta da residência de sua cunhada.

Entretanto, essa não é a primeira vez que um pedido de ajuda é feito para evitar ataques a moradores e a quem transita por essas bandas isoladas do bioma, como turistas, pesquisadores e fazendeiros. Segundo dona Eliane, desde 2020, com o aumento dos incêndios e a seca extrema que assolam o Pantanal, a presença da onça-pintada nas proximidades de áreas habitadas tem se intensificado na Serra do Amolar. Ela chegou a contabilizar mais de 60 cachorros mortos pelas onças, tanto na Barra do São Lourenço quanto no Aterro do Binega, uma continuação da comunidade. Somente ela e o marido perderam 21 cachorros para o felino; em uma das vezes, presenciou a rápida cena pela janela, sem poder interferir. Hoje prefere manter os animais, que sempre latem ao perceber qualquer sinal estranho, agindo como um alerta para os moradores, recolhidos em casa.

“É comum ver onça por aqui, de passagem; vivemos no mesmo Pantanal que esse animal. Só que agora, ou elas estão ficando mais tempo perto de onde tem gente, ou parecem estar surgindo em maior quantidade”, questiona a artesã, ao lamentar os últimos dias sem dormir por conta do “pavor” das visitas que elas fazem, principalmente de madrugada. “A gente escuta o movimento delas no quintal e tem receio de sair de casa ao entardecer para conversar em volta da fogueira, uma tradição nossa que não podemos mais manter.”

A artesã Leonida Aires, conhecida como dona Eliane. Foto: Associação Renascer

Na Barra do São Lourenço e no Aterro do Binega, nunca houve nenhum caso de ataque a seres humanos. Dona Eliane, nascida e criada na comunidade, ouviu falar de uma história antiga nas redondezas, mas não sabe quem foram os envolvidos. Números publicados pelo Instituto Reprocon apontam que, entre 2010 e 2023, foram contabilizados 28 ataques no Brasil, sendo 5 provocados, 17 não provocados e 6 sem causa determinada.

Em 2022, foi realizada uma vaquinha virtual para arrecadar dinheiro e comprar cercas de proteção para as casas e a única escola da região, devido à segurança das crianças. Porém, a quantia arrecadada não foi suficiente para cobrir os custos dos materiais.

“Nós estamos revoltados, porque parece que a nossa vida não tem tanta importância quanto a da onça-pintada. É claro que ela e todos os animais precisam ser protegidos, mas existe um desequilíbrio por aqui: dão visibilidade apenas a ela, esquecendo que nesta região vivem pessoas e outros seres que merecem proteção e respeito”, desabafa a pantaneira, que, aos 58 anos, percebe o quanto tudo mudou desde sua infância, quando, segundo ela, havia mais harmonia entre os ciclos da natureza e a presença humana. “Hoje, tudo parece desorganizado; o ecossistema do Pantanal precisa ser acolhido por inteiro, estamos interligados, e se uma parte deixa de existir, isso afeta o modo de vida de todos nós. Não podemos excluir nada nem ninguém, todos têm o direito de existir com dignidade.”

A pescadora Leonora Aires de Sousa relatou que oito cachorros já foram capturados por onça na Barra do São Lourenço só este ano. Numa das vezes, ela chegou a presenciar o ataque e descreveu a onça como magra. Leonora diz que, antigamente, esses animais eram mais ariscos e não rondavam o território com a frequência atual. “Ela precisa, sim, ser preservada, só que longe de nós e não tão perto como está se tornando habitual. Temos medo, porque é um animal selvagem e perigoso.”

Leonora e seu irmão, Wanderley Souza, atuam juntos como isqueiros nos rios do Pantanal, em uma tarefa que se estende pela madrugada, com o corpo submerso na água, buscando atrativos (caranguejos, tuviras, caramujos etc.) lançados como iscas para atrair os peixes no turismo de pesca. Como a noite e o início da manhã são conhecidos por serem os horários da onça circular, eles temem a possibilidade de ficar cara a cara com o felino, que é ótimo nadador. Mas, para não comprometer a renda mensal, assumem o risco em jornadas diárias de até 10 horas dentro d’água.

Onça-pintada na região da Serra do Amolar. Foto: Beto Arruda

Colaboração entre ciência e saberes tradicionais

Para Diego Viana, médico veterinário e doutorando em Ecologia e Conservação na Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS), o desafio de conservar a onça-pintada no Pantanal não está unicamente em proteger a espécie, mas sobretudo em garantir que as pessoas que compartilham o território com ela se sintam seguras, ouvidas e valorizadas. “Só assim será possível prevenir tanto os ataques quanto as retaliações, promovendo uma coexistência baseada em justiça, conhecimento e corresponsabilidade.”

Diego frisa que a importância da valorização do conhecimento empírico e das experiências locais, aliada ao monitoramento científico, é imprescindível para promover a coexistência entre as populações humanas e a fauna silvestre, especialmente em regiões onde os encontros são frequentes e potencialmente conflituosos. Em relação às ações desenvolvidas na região, por ONGs e seus pesquisadores, é importante que sejam iniciativas permanentes e não apenas uma resposta emergencial após os casos ocorrerem.

O pesquisador explica que, entre as regiões com maior concentração da espécie, destacam-se o Pantanal Norte, onde se localiza a Estação Ecológica de Taiamã, no município de Cáceres (MT), que apresenta a mais alta densidade populacional de onças-pintadas registrada no mundo, com uma estimativa de 12,4 indivíduos por 100 km². No Pantanal Sul, regiões como a Serra do Amolar, o Abobral e áreas remotas como o Paiaguás também apresentam elevada ocorrência da espécie, funcionando como refúgios naturais e rotas de deslocamento.

“Após os megaincêndios no Pantanal, as onças-pintadas ampliaram sua área de ocupação em busca de alimento, devido à escassez de presas naturais, como queixadas e veados, que diminuíram após os incêndios de 2020. Essa mudança no comportamento pode ter levado as onças a ocupar zonas de borda e áreas próximas às comunidades humanas, onde encontram animais domésticos mais vulneráveis”, evidencia o pesquisador.

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FONTE/CRÉDITOS: Colaboração entre ciência e saberes tradicionais Para Diego Viana, médico veterinário e doutorando em Ecologia e Conservação na Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS), o desafio de conservar a onça-pintada no Pantanal não está unicamente em proteger a espécie, mas sobretudo em garantir qu
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Sérgio Mendes

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Sérgio Mendes

Sérgio Mendes, brasileiro, 61 anos, Jornalista (MTB 64.505/SP), Terapêuta Fitoterápico e ambientalista há 46 anos.

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